22/01/2010

A RELAÇÃO DOS EUA COM A AMÉRICA LATINA MUDOU NESTE PRIMEIRO ANO DO GOVERNO OBAMA?


NÃO
Onde estão as mudanças?
MATTHIAS S. FIFKA

"Os tempos mudaram", disse Barack Obama antes de embarcar para Cúpula das Américas, em abril de 2009, indicando sua intenção de reformular a política externa dos EUA em relação à América Latina. Levando o argumento adiante em seu discurso de abertura, Obama prometeu "um novo começo" e um relacionamento "sem parceiros seniores ou juniores". Essa promessa de mudança, que tinha sido o tema principal de sua campanha eleitoral, ecoou bem entre os estadistas latino-americanos, muitos dos quais haviam ficado profundamente desapontados com oito anos de Bush e do unilateralismo dos EUA.

Até mesmo políticos como Hugo Chávez se sentiram inclinados a comentar, após a cúpula, que era "o verdadeiro início de uma nova história".

O povo da América Latina também nutria altas esperanças no presidente recém-eleito. No início de 2009, uma maioria inequívoca de pessoas no Brasil, no México e na Argentina expressava confiança em Obama.

Assim, Obama teve o apoio público necessário para melhorar as relações com os vizinhos do Sul e para realizar algumas das iniciativas que propusera em um plano intitulado "Uma Nova Parceria para as Américas".

Esse plano político consistia em três elementos principais: fortalecer a democracia e o Estado de Direito na América Latina, apoiar os governos em seu combate ao tráfico de drogas e a criminalidade organizada e ajudar na redução da pobreza, da fome e dos problemas de saúde e educação.

Mais especificamente, Obama, por exemplo, prometeu criar um conselho de segurança comum, melhorar as relações com Cuba, promover o alívio da dívida latino-americana, ajudar a Colômbia a combater os rebeldes das Farc e colaborar com o Brasil com o comércio e o desenvolvimento de biocombustíveis, como o etanol.

No primeiro ano de governo Obama, a maioria dessas propostas não saiu do papel. Com a exceção do esforço pouco animado de fechar a prisão de Guantánamo e da redução das restrições às visitas de cubano-americanos a parentes na ilha e à transferência de remessas de dinheiro a Cuba, Obama não empreendeu nenhuma iniciativa significativa em direção às mudanças que prometeu.

Em lugar disso, sua trajetória escorregadia no golpe hondurenho e o acordo fechado com a Colômbia, que dá aos EUA acesso a sete bases militares e o direito de enviar soldados para lá, lembram mais a política de seu predecessor que um novo começo.

Poderíamos argumentar, com certeza, que promessas de campanha quase nunca são cumpridas. Também se poderia dizer, em defesa de Obama, que em seu primeiro ano no cargo ele teve que concentrar sua atenção na crise econômica, na reforma da saúde e nas guerras no Iraque e Afeganistão.

Essas questões podem, de fato, parecer mais urgentes que reforçar e reformular as relações com a América Latina, mas, no longo prazo, neglicenciar essas relações terá consequências indesejadas para os EUA.

A maior parte da América Latina compreende muito bem que o bem-estar econômico de seus países ainda pode beneficiar-se de relações econômicas positivas com os EUA e que uma economia americana forte garante a entrada de capitais e um grande mercado para exportações.

Contudo, os EUA também precisam dar-se conta de que a América Latina -e especialmente o Brasil- já diversificou seus laços e ampliou suas relações comerciais com União Europeia, Rússia e China. Sobretudo as últimas duas vêm fazendo bom proveito do interesse declinante na América Latina que tem o rival.

A Rússia concordou em construir reatores nucleares para a Venezuela e já entregou a Chávez armas no valor de mais de US$ 4 bilhões. A China, desde 2004, já firmou mais de 40 acordos bilaterais com Argentina, Brasil, Venezuela e Cuba, prevendo mais de US$ 100 milhões em investimentos chineses até 2014.

Se Obama continuar a fazer pouco caso da América Latina como fez em seu primeiro ano no poder, os EUA correrão o risco de perder um parceiro importante para o futuro, em um mundo cada vez mais competitivo.

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MATTHIAS S. FIFKA é professor de economia e política internacional
na Universidade Erlangen-Nuremberg (Alemanha)
e vice-diretor do Instituto Germano-Americano.

Tradução de Clara Allain.





SIM
Uma nova abordagem às Américas
ERIC FARNSWORTH

Como mostrou a resposta dos EUA à crise no Haiti -maciça, imediata e sem prazo para terminar-, as mudanças chegaram à política americana em direção ao hemisfério Ocidental. Talvez as expectativas exageradamente altas ainda não tenham sido plenamente atendidas, mas, mesmo assim, é inegável que a administração Obama segue uma abordagem às Américas que é diferente da de seu predecessor.

Começando com a Cúpula das Américas, a administração Obama traçou um plano baseado na cooperação com parceiros dispostos a promover uma agenda aberta, fundamentada na recuperação econômica, no desenvolvimento de longo prazo, no alívio da pobreza e na cooperação energética. Dominou o desejo de, acima de tudo, mudar o tom das relações hemisféricas e restaurar a ideia de que, mesmo quando os líderes discordam, eles ainda podem dialogar.

Como demonstração de boa vontade, a administração Obama mostrou que estava levando a parceria a sério no contexto global. Os EUA receberam países como Brasil, Argentina e México em discussões visando a coordenar a recuperação financeira e econômica global. Talvez mais importante, assinalaram um desejo de converter o G20 no fórum financeiro global principal, suplantando o G8, em parte para institucionalizar um papel latino-americano nessas discussões. Além disso, antes da cúpula, a administração anunciou a redução de certas restrições a Cuba, incluindo viagens e comunicações, e assinalou sua disposição de avançar mais, dependendo de ações recíprocas concretas em direção à democracia serem realizadas pelo regime Castro.

Mas uma parceria requer parceiros.

Na primeira ocasião após a cúpula para demonstrar disposição de cooperar -na Assembleia Geral da OEA, em Honduras-, boa parte do hemisfério forçou um confronto político com Cuba que foi desnecessário e contraproducente, em vez de tomar nota das medidas previamente anunciadas e de iniciativas encorajadoras adicionais de Washington.

A resposta dos EUA à crise democrática em Honduras assinalou mais uma mudança em relação às "maneiras de fazer negócios" anteriores. De fato, imediatamente depois de o presidente Zelaya ter sido afastado do poder, os EUA condenaram o golpe e trabalharam com o presidente Arias, da Costa Rica, para estabelecer um processo para devolver Zelaya ao poder, ao mesmo tempo trabalhando para assegurar que as eleições previamente programadas fossem realizadas de forma livre e justa.

Infelizmente, outros no hemisfério trabalharam em sentido diferente, procurando solapar as eleições hondurenhas e atirar esse país em um estado de turbulência política permanente, um cenário que teria sido perigoso e insustentável.

Mas talvez o melhor exemplo da nova abordagem dos EUA ao hemisfério diga respeito a questões comerciais. A expansão comercial no hemisfério Ocidental foi sem dúvida uma prioridade da administração Bush.

Contudo, a administração Obama deixou que acordos pendentes com a Colômbia e o Panamá ficassem em compasso de espera. Ela cancelou um programa bem-sucedido para autorizar caminhões mexicanos a ingressar nos Estados Unidos, sob medidas previstas pelo Tratado Norte-Americano de Livre Comércio. Ela não buscou do Congresso uma autorização de negociações comerciais que lhe permitisse concluir as negociações comerciais globais de Doha, que são tão importantes para o Brasil.

Os observadores que talvez esperassem que os EUA sob Obama deixassem de agir como superpotência, se afastassem do combate às drogas, abandonassem aliados que enfrentam desafios de segurança, como Colômbia e México, e se alinhassem com movimentos populistas e líderes anti-EUA vão se decepcionar.

Aqueles que têm uma visão objetiva dos EUA, porém, terão que concluir que sua política para as Américas mudou. A questão agora é se os líderes regionais vão responder com um novo espírito de parceria ou se vão continuar com o "business as usual".
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ERIC FARNSWORTH, mestre em relações internacionais,
é vice-presidente do Conselho das Américas, em Washington.
É ex-funcionário do Departamento de Estado dos EUA
e trabalhou na Casa Branca como assessor político
sênior para Assuntos Hemisféricos (1995-1998).

Tradução de Clara Allain


_ análises publicadas na Folha de São Paulo, caderno Tendências _

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