08/07/2009

LIÇÕES DA REPRESSÃO


Quando o martelo da tirania desce,
como mostra a história, o impacto é imprevisível,
seja no Irã, na China, na Polônia, em Mianmar ou em Honduras

Polícia de Honduras dispersa seguidores do presidente Zelaya, deposto em golpe no mês passado.

Quando o grito de protesto nas ruas de Teerã passou de "Morte à América!" para o mais estranho "Morte ao ditador!", houve uma grande tentação a concluir que os dias dos mulás estavam contados. Mas, como disse o presidente dos EUA, Barack Obama, no mês passado, "ainda não sabemos como essa coisa vai evoluir".

Em todo o mundo se faziam versões da mesma pergunta: o recurso à repressão crua vai funcionar? Ou com o tempo ele vai ser contraproducente, apenas aumentando a enorme divisão política?

A história da repressão para salvar regimes -ou pelo menos seus líderes- é longa. E cada caso é diferente: alguns regimes se desgastam sob a pressão popular, enquanto outros são flexíveis e se adaptam a ela; alguns podem usar o nacionalismo em seu favor, enquanto para outros é sua dissolução. E, se alguns governos são meras tiranias, a estrutura do sistema político do Irã é especialmente complexa e opaca.

Mas há uma linha comum: são as forças de segurança, das quais depende, em última instância, o destino dos regimes. Elas podem decidir se seus melhores interesses estão com os poderes que protegem. Se decidirem que há maior probabilidade de prosperar sob uma nova liderança, o poder pode cair com rapidez.

Existem muitas gradações nessa escala.

Há 20 anos, em junho, muitas pessoas, dentro e fora da China, que testemunharam a revolta na Praça Tiananmen previram o início do fim do Partido Comunista. Estavam enganadas. Duas décadas depois, o próprio partido mudou radicalmente -deixou de lado sua ideologia revolucionária e a substituiu por um pacto social construído sobre um forte crescimento econômico- para continuar seguro, mantendo o poder com a firmeza de sempre.
Como ele fez isso? Nas últimas duas décadas, o Partido Comunista chinês permitiu eleições locais, tolerou protestos contra a poluição ou a corrupção (desde que não atingissem profundamente os poderes da liderança nacional) e deu maior liberdade a viagens ao exterior e à internet (com alguns limites rígidos). E as classes ascendentes aceitaram as regras não escritas. Enquanto isso, os militares obtiveram espólios; hoje, seus empreendimentos financeiros são parte da florescente economia chinesa.

É um exemplo que os iranianos, supõe-se, têm observado com cuidado, mesmo que apenas nesse sentido: sua Guarda Revolucionária também tem crescido em importância e influência financeira.
Voltando um pouco na história, porém, para os levantes na Polônia no início da década de 1980, a lição é diferente.
Lá, a repressão também funcionou no início. As forças de segurança, parte do Pacto de Varsóvia, foram chamadas para impor a lei marcial e permaneceram leais a um governo firmemente situado na órbita da União Soviética. Mas, após uma década, a força do regime se desgastou, enquanto sindicalistas, intelectuais e finalmente as forças de segurança perderam toda a confiança em um governo que consideravam ilegítimo.

Parte do motivo de o regime ter-se mostrado vulnerável foi que os próprios poloneses o viam como um implante estrangeiro. Por isso, quando a URSS começou a desmoronar, as forças de segurança reconheceram que seu próprio patrão estava em grande dificuldade.
Mas o modelo não se encaixa no Irã. Os mulás podem ser fundamentalistas, intolerantes e até fraudadores de votos, mas seu trunfo é que são iranianos até a medula e que sua própria revolução, 30 anos atrás, removeu um autocrata cujo principal defensor externo eram os EUA.

Os exemplos não param aí. Desde 29 de junho, manifestantes em Honduras se chocaram com forças do Exército depois que líderes militares derrubaram o presidente Manuel Zelaya. Os militares se mantiveram firmes quando a ONU condenou o golpe. A brutal junta de Mianmar (ex-Birmânia), que recompensa os militares leais, embora corruptos, resiste há décadas aos protestos do movimento democrático. Os todo-poderosos militares da Coreia do Norte nunca deixaram os protestos vingarem, enquanto obtinham armas nucleares e a população passava fome. Por outro lado, na Indonésia e na Nicarágua, as primeiras brechas nas ditaduras rapidamente desfizeram os mitos do controle
invencível.

O caso da Nicarágua, na década de 1970, foi uma lição sobre o preço de se perder os principais apoiadores. A dinastia Somoza havia suportado rebeliões, mas cometeu um erro crucial quando desperdiçou a ajuda estrangeira enviada para salvar sua economia combalida depois do terremoto de 1972. Isso, combinado com sua brutalidade, alienou importantes líderes da classe média, que fizeram causa comum com os sandinistas de esquerda enquanto os EUA cortavam a ajuda militar. Em 1979, os rebeldes tinham derrotado o Exército.

"É cedo demais para tirar conclusões sobre que modelo cabe no Irã", disse Zbigniew Brzezinski, que foi assessor de Segurança Nacional do presidente americano Jimmy Carter (1977-81). "Mas, neste caso, sou pessimista em curto prazo e otimista em longo prazo."
Isso capta bem o moral dos assessores de Obama. Vários deles advertiram que não estava claro o que os iranianos pretendiam. "Os estudantes em Tiananmen queriam a democracia, os poloneses queriam a mudança de regime, mas os iranianos podem estar buscando algo intermediário", disse um dos principais assessores de Obama.
Robert Litvak, autor de "Regime Change" (Mudança de regime), um estudo sobre como os regimes modernos caíram, disse: "A verdade é que um pouso suave para a sociedade iraniana não é um pouso suave para a liderança". Até agora "os iranianos não estão suficientemente unidos contra o regime como estavam os poloneses no final dos anos 80", observou. Além disso, o regime polonês era mais frágil: como era considerado um instrumento dos soviéticos, a oposição podia usar as emoções nacionalistas.
No Irã, não. Até agora, a Guarda Revolucionária parece completamente alinhada ao líder supremo e ao presidente Mahmoud Ahmadinejad. A guarda dirige o programa nuclear iraniano; se a oposição ganhar o poder, a guarda terá de se perguntar o que pode negociar.

E agências internacionais estimam que o Irã poderia se tornar capaz de montar uma arma nuclear entre 2010 e 2015. Como disse um assessor de Obama, "para a liderança, isso sugere que nos próximos cinco anos não se deve mexer na fórmula".

Análise de DAVID SANGER

WASHINGTON

THE NEW YORK TIMES textos selecionados para a FOLHA DE SÃO PAULO 06/07/2009

Nenhum comentário:

Postar um comentário

Related Posts with Thumbnails