23/09/2009

Ô JOSUÉ, NUNCA VI TAMANHA DESGRAÇA

Esse trecho da música do Chico Science muitos devem conhecer e cantarolar....


(...)
Oh Josué, eu nunca vi tamanha desgraça
Quanto mais miséria tem, mais urubu ameaça

Peguei o balaio, fui na feira roubar tomate e cebola
Ia passando uma véia, pegou a minha cenoura

Ai minha véia, deixa a cenoura aqui
Com a barriga vazia Não consigo dormir
E com o bucho mais cheio comecei a pensar
Que eu me organizando posso desorganizar

Que eu desorganizando posso me organizar
Da lama ao caos
Do caos à lama
Um homem roubado nunca se engana

(...)



Mas será que todos sabem quem é o tal do Josué?
É o Josué de Castro, autor do célebre livro a Geografia da Fome, escrito em 1946 ainda mantém-se atual e fornecedor de ricos subsídios para a análise do mapa da fome de nosso país, que passados mais de 60 anos não logrou de significativas alterações.

Sua obra representa um dos estudos mais profundos sobre a inseguraça alimentar presente no Brasil, sobretudo no Norte e no Nordeste. Nela, aponta que a falta de nutrientes na alimentação do nosso povo, provém de características climáticas, culturais e do próprio solo, próprios de cada região, além do motivo principal: a concentração de renda na mão de poucas pessoas.

Os dados divulgados na última Pnad (Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílio) no ano de 2006, pelo IBGE mostra que quase 14 milhões de brasileiros (cerca de 7,7% da população) viviam em domicílios nos quais a fome esteve presente ao menos um dia em 2004, revelou a primeira pesquisa sobre a Segurança Alimentar.

Relacionada diretamente à renda, a segurança alimentar consiste no direito ao acesso regular e permanente de alimentos de qualidade, em quantidade suficiente, sem comprometer outras necessidades essenciais. Se considerarmos todos os níveis de "Insegurança alimentar", aproximadamente 72 milhões de pessoas (40%) estavam vulneráveis à fome em maior ou menor grau: tinham preocupação com a falta de dinheiro para comprar comida, perderam qualidade em sua dieta ou ingeriram alimentos em quantidade insuficiente.


Tais dados não nos permite uma comparação com a África, mas deveria acender um sinal de alerta na cabeça de todos. Frente a enxurraga de críticas que o Programa Social do Governo Lula - O FOME ZERO recebe, e que tem obtido relativo sucesso, muitos brasileiros preferem continuar a ignorar a existência da criticidade deste quadro, assim como crucificar toda e qualquer medida institucional de apoio às comunidades menos assistidas.

Dadas todas as latitudes e longitudes em que a fome esbarra, a maior razão a sua existência é sem dúvida econômica. A má distribuição da riqueza, juntamente com a falta de condições estruturais para fomento de uma agricultura mais familiar, mais cooperatizada, mais saudavél (leia-se orgânica e livre de agrotóxicos - que tanto agridem nosso organismo e destroe nossos solos) e menos voltada ao mega-mercado do agronegócio, que tráz consigo uma série de elementos destrutivos tanto social, como ambientalmente, mas que promete a geração de empregos, a inclusão social e o estrondoso lucro dos latifundiários desse nosso Brasilzão agrário por natureza, que há tempos almeja o título máximo do exportardor, denominando-o de "celeiro do mundo", mas que não consegue abstecer calóricamente e de maneira satisfatória a própria população.



Mas voltando ao Josué... na época em que sua obra fora escrita, o fenômeno da fome era encarado como natural e impossível de ser revertido. Por isso ele diz na introdução do livro: “Interesses e preconceitos de ordem moral e de ordem política e econômica de nossa chamada civilização ocidental tornaram a fome um tema proibido, ou pelo menos pouco aconselhável de ser abordado”.

Ao quebrar este silêncio, o autor ganhou destaque internacional, recebeu duas indicações ao Nobel da Paz, sua obra foi traduzida para vários idiomas e recomendada pela FAO (Organização das Nações Unidas para Agricultura e Alimentação), ocupando inclusive a presidência do referido órgão entre 1952 e 1956.
O principal legado de Josué de Castro foi o de popularizar as injustiças que acompanhavam o fênomeno, trazendo ao debate, problema que até então era ignorado.


No prefácio a 9ª edição da Geografia da Fome, o então executivo da FAO, André Mayer, escreveu que:

A fome - um problema tão velho quanto a própria vida.
Para os homens, tão velho quanto a humanidade.
É um desses problemas que p õem em jogo a própria sobrevivência da espécie humana, a qual para garantir sua perenidade, tem que lutra contra as doenças que a assaltam, abrigar-se das interpéries, defeder-se dos seus inimigos.
Antes de tudo, porém, precisa, dia após dia, encontrar com o que subsistir - comer.
E esta necessidade, é a fome que se encarrega de lembrá-la.
Sob o seu ferrão e para lutar contra ela, a humanidade aguçou seu gênio inventivo.
Ninguém o ignora.
E todo mundo sabe também que, nesse velho combate contra essa praga permanente, o homenm conseguiu apenas uma vitória incerta e precária. (...)


Abaixo alguns trechos do livro:

"Denunciei a fome como flagelo fabricado pelos homens,

contra outros homens”

“Metade da população brasileira não dorme porque tem fome;

a outra metade não dorme porque tem medo de quem está com fome”

“Só há um tipo verdadeiro de desenvolvimento:

o desenvolvimento do homem”


Os países pobres são subdesenvolvidos não por razões naturais - pela força das coisas - mas por razões históricas - pela força das circunstâncias. Circunstâncias históricas desfavoráveis, principalmente o colonialismo político e econômico que manteve estas regiões à margem do processo da economia mundial em rápida evolução.

Na verdade, o subdesenvolvimento não é a ausência de desenvolvimento, mas o produto de um tipo universal de desenvolvimento mal conduzido. É a concentração abusiva de riqueza - sobretudo neste período histórico dominado pelo neocolonialismo capitalista que foi o fator determinante do subdesenvolvimento de uma grande parte do mundo: as regiões dominadas sob a forma de colônias políticas diretas ou de colônias econômicas.

Esta tremenda desigualde social entre os povos divide economicamente o mundo em dois mundos diferentes: o mundos dos ricos e o mundo dos pobres, o mundo dos países bem desenvolvidos e industrializados e o mundo dos países proletários e subdesenvolvidos. Este fosso econômico divide hoje a humanidade em dois grupos que se entendem com dificuldade: o grupo dos que não comem, constituido por dois terços da humanidade, e que habitam as áreas subdesenvolvidas do mundo, e o grupo dos que não dormem, que é o terço restante dos países ricos, e que não dormem com receio da revolta dos que não comem.

Ora, o problema do subdesenvolvimento não é exclusivo destes países; é antes um problema universal, que só pode ter soluções igualmente em escala universal. Viver na opulência, num mundo em que 2/3 estão mergulhados na miséria, não é apenas perigoso, é um crime. A tensão social na qual se vive hoje é, na maior parte das vezes, o produto desta conhecida injustiça social, já que os povos dominados tomaram consciência da realidade sócio-econômica do mundo.

Cada vez se pergunta com mais insistência se desenvolver-se significa desumanizar-se, nesta frenética busca de riqueza, de acordo com a fórmula preconizada pelo ocidente de maximizar os lucros em vez de maximizar as energias mentais que enriquecem com mais rapidez a vida dos homens e podem dar-lhes muito mais felicidade.


Josué de Castro


Links úteis e muito bons:



Um comentário:

  1. E ainda criticam nosso presidente ao tentar acabar com este problema no Brasil. Antes dele, nunca tinha se tratado o assunto com tanto afinco. Mesmo que falha, qualquer iniciativa nesse sentido é válida. Só entende o verdadeiro grau de relevância social e dá a devida importância quem já não teve o que comer, ou já comeu o insuficiente, não por falta de vontade, mas sem ter opção. Isso vai além alimento, mexe com questões de saúde, educação, desigualdade social etc etc etc... Pano pra MUITA manga (ou pouca, sendo fruta)

    Não conhecia a história de Josué. Prazer! Adorei. Vou me informar mais e mais. Salve os blogs, Grazazá, Chico Science...

    E viva (Nação) Zumbi, Antonio Conselheiro, todos os Panteras Negras... ('já no clima').

    Bora no show? Beijo

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